segunda-feira, 31 de maio de 2010

Educação Física: Educação Para a Humanização


José Evaristo Silvério Netto
(texto publicado no jornal Oeste Noticias - 16/05/10)

A educação básica passa por um período de crise, traduzido pela falta de infra-estrutura adequada das escolas, falta de materiais didáticos e baixa qualidade destes materiais pedagógicos, baixos salários dos professores e dos outros profissionais do ensino, desmotivação dos(as) professores, e outros problemas como violência e consumo de drogas, que aumenta entre as crianças e jovens.

Neste caos, fica dificil pensar em um trabalho de formação global do cidadão, que garanta aos jovens a inserção ativa na sociedade transformando-a, e interação com o mundo de forma saudadel. Fica difícil inclusive garantir o domínio de conhecimentos básicos de matemática, física, quimica, português, história, geografia, e educação física.

O que percebemos são jovens (quase adultos) com dificuldades de interpretação de texto, de escrita, jovens que não conhecem a história da sociedade da qual fazem parte, e por isso, também não compreendem os acontecimentos políticos-econômico-sociais que são veiculados diariamente pela grande mídia televisiva.

Penso que é necessário uma reflexão profunda sobre o papel da escola, e principalmente sobre como a escola deve atuar junto aos seus alunos e à sociedade. Dentro desta reflexão especifico a atuação da Educação Física como uma disciplina que, ocupando-se do corpo e de seus movimentos, aumenta as possibilidades da consciência do mundo, de maneira mais ampla, e da sociedade, de maneira mais específica, dos alunos.

A Educação Física lída com o corpo. E o corpo é muito mais que uma maquina de andar, correr, saltar, e manipular coisas. O corpo somos nós, o corpo pensa, fala, se expressa, sente, e nele é circunscrito todos os valores sociais contemporâneos.

Daí já podemos vislumbrar a importância que a Educação Física tem na escola. Na primeira infância (do nascimento até os 3 anos de vida), as crianças se encontram em uma fase chamada sensório-motora, onde estão normalmente desenvolvendo seu entendimento de mundo através do movimento corporal, inicialmente reflexo mas que pouco a pouco evolui para movimentos voluntarios. Na segunda infância (dos 3 até os 7 anos, aproximadamente) a criança em uma nova fase de desenvolvimento chamada pré-operatória, já consegue interagir com o mundo a sua volta de maneira mais profunda, já estabelece relações com os objetos e simbolos, e seus movimentos são resultado das suas intenções, inclusive a fala.

Tanto na primeira infância quanto na segunda, as crianças conhecem o mundo, e desenvolvem sua inteligência e personalidade predominantemente através do movimento corporal. A partir daí, na terceira infância (dos 7 até os 12 anos) e na adolescência, é o corpo em contato com outros corpos (interação social) que irá promover o desenvolvimento do indíviduo, sua inteligência, personalidade, e todas as suas competências e habilidades humanas.

Nas aulas de educação física, aproximadamente a partir dos 7 anos de idade, nas crianças deveriam-se ampliar as possibilidades de expressão e consciência corporal através de jogos tanto cooperativos quanto competitivos. O professor de educação física, respeitando e utilizando em suas aulas o conhecimento motor que as crianças já possuem, promoveria através de atividades diversas (jogos, brincadeiras, desafios, esportes) um aumento das noções de lateralidade, espaço-temporal, além do aumento da socialização, todos pré-requisitos para a aquisição de patrimonios culturais tais como a linguagem falada e escrita, e os conhecimentos em matemática e ciências.

As experiências corporais são determinantes para o desenvolvimento de todos esses processos de formação do cidadão, e é na educação física escolar que a escola tem a possibilidade de trabalhar com o corpo, para ai sim, fazer jus ao que se estabelece nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN´s) e nas Leis de Diretrizes e Bases.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Esporte Juvenil e Sociedade


* Por José Evaristo Silvério Netto
(texto postado no jornal Oeste Noticias - 28 de março de 2010)


O ‘esporte juvenil’ vem sendo cada vez mais objeto de discussão na área da Educação Física dado o seu crescimento em importância no campo da saúde coletiva, sendo um dos fenômenos socioculturais contemporâneos mais importântes nas sociedades modernas.

Aproximadamente a partir da década de 1970, vários estudiosos de áreas do conhecimento como as Ciências Sociais, Educação Física, Medicina e outras, começaram a elucidar os benefícios biopisicossocio-culturais advindos da prática esportiva. O esporte, a partir destes estudos, passou a ser visto como um elemento importante da cultura e como um instrumento fundamental para o desenvolvimento adequado da saúde e do bem-estar coletivo.

Isso se deu devido às características do momento histórico (décadas de 1970 e 1980), onde profundas mudanças no estilo de vida das pessoas levaram os profissionais da área a se preocuparem com os comportamentos de risco à saúde que cada vez mais eram assumidos pela sociedade, e pelos jovens de modo particular, e que até então eram entendidos como elementos indissociáveis da ‘modernidade’. Desta maneira, a prática insuficiente de atividade física por grande parte da população, atrelada a outros comportamentos de risco à saúde como a dieta hipercalórica de baixo valor nutricional, o consumo de tabaco, álcool e outras drogas lícitas, e o aumento do consumo de drogas ilícitas, foram e vêm sendo alvos de muitos estudos.

No bojo desta problemática engendrada pelos avanços tecnológicos e mudanças no estilo de vida atribuidas às características da modernidade como a competitividade, o esporte juvenil apareceu como uma alternativa interessante. As crianças e jovens, por conta das exigências sociais, são cada vez mais cobrados em relação ao desempenho escolar, ao ingresso no ensino superior, e a inserção profissional, além de outras cobranças advindas dos seus pares, e quando práticam esporte são absorvidos por esta atividade, de modo que no momento da prática eles não se encontram sob a pressão, as expectativas e ansiedades da vida cotidiana.

O esporte possue um grande valor terapêutico para as crianças e jovens porque faz com que estes, pelo menos durante a prática, transfiram a atenção para fora de sí se preocupando somente com a prática esportiva, e não com os problemas ou tarefas inerentes do cotidiano. Um jovem que prática atletismo, por exemplo, durante a prática se concentra nos gestos motores, na aplicação de força, e em focar sua atenção no desempenho atlético, e toda esta gama de atividades cognitivas e motoras geralmente são saudáveis do ponto de vista psicológico, além de promover grande satisfação emocional.

Mas talvez o maior benefício proporcionado pelo esporte é a influência que este gera no comportamento humano, beneficiando o fortalecimento de um estílo de vida saudável não apenas pelo aumento da atividade física, mas também pela interferência positiva em outros aspectos da vida. Isso ocorre porque, para que um jovem obtenha bons rendimentos em qualquer modalidade esportiva, principalmente àquelas onde o gasto energético é alto, é fundamental que se este jovem tenha uma dieta balanceada e de alto valor nutricional, adequadas horas de sono, além de não consumir qualquer substância que venha a desfavorecer a boa saúde. Esta disciplina comportamental, quando incorporada no cotidiano do jovem, é transferida para outros ambientes senão o esportivo, fazendo com que este jovem não assuma os comportamentos de risco à saúde acima descritos.

A Educação Física escolar, e a intervenção dos educadores físicos em outros ambientes (bachareis), possuem este importante papel social. A utilização adequada do esporte como instrumento de educação para a saúde, realizada majoritariamente pelo educadores físicos, possibilita a adoção de hábitos saudáveis em vários aspectos da vida e em todos os ambientes sociais e, atualmente se mostra como um aliado de primeira órdem para o avanço social rumo à uma ‘modernidade’ mais saudável.


domingo, 9 de maio de 2010

Uma singela reflexão sobre informação, conscientização e tranformação



Por José Evaristo Silvério Netto

Sempre conversamos e tentamos amadurecer algumas idéias acerca do que é necessário para um trabalho de conscientização de fato eficaz, para a promoção da mudança de comportamento das pessoas históricamente vitimadas pelo racismo e machismo. Ultimamente, venho tendo algumas idéias que gostaria de dividir.

Nós sempre trabalhamos com a informação, visando uma mudança de comportamento. Este sempre foi o pano de fundo das intervenções óra de movimentos sociais, óra de ações governamentais, para a superação de alguma dificuldade ou, no caso específico, minimização e superação do racismo na sociedade. Visamos a conscientização do individuo e do grupo social, preocupados com a qualidade e quantidade das informações que estamos transmitindo, e atentos ao feedback instantâneo que nos é apresentado pelo público. Para transmitir tais conhecimentos, por exemplo sobre cultura e história da população negra no Brasil, ou informações acerca das tecnologias desenvolvidas pelas sociedades africanas que influenciaram o mundo, entre muitos outros temas, utilizamos diversas metodologias de trabalho, a citar palestras, simpósios, congressos, encontros com mesas temáticas e grupos de trabalho, oficinas, e grupos de estudo. Desta maneira, entendemos que a transmissão de grande volume de importantes informações (conteúdos ou conhecimento) garante em grande parte um engajamento político das pessoas agraciadas. Estou certo?

E isso de fato ocorre? O publico alvo destas ações de conscientização e mobilização ou formação política, assumem este comportamento de engajamento político? Qual é a magnitude da eficácia desta abordagem, pensando em algo concreto como a mudança de comportamento?

Fala-se muito em mobilização da juventude negra, conscientização e mobilização, ou em formação política e de agentes de cidadania, na perspectiva de mudança de comportamentos e tomada de cosnciência. Jovens antes alienados e sem perspectiva de vida, vitimados pelo racismo e outras ideologias de dominação, depois de um trabalho de conscientização tornam-se criticos, se posicionando de forma coerênte frente à atitudes discriminatórias e preocnceituosas, e participativos em atividades de superação destas mazelas sociais. Mas este trabalho de mobilização é extremamente dificultoso porque na abordagem das pessoas que queremos atingir, encontramos muita resistência, desconfiança, medo, o que dificulta a transmissão das informações para a promoção da mudança de comportamento e tomada de consciência (processo acima discutido).

Tenho dúvidas sobre a eficácia desta abordagem de trabalho adotada. Esta minha dúvida é justamente minha motivação para escrever este texto.

Penso que a preocupação com a informação é acertada, assim como o é a preocupação com a quantidade de informações, nestas atividades de militância social. Sem dúvida! Mas penso que não deve ser estas as únicas preocupações. Acredito que temos que nos atentar à maneira como estas informações estão sendo processadas e codificadas em cada indivíduo, ou seja, temos que nos preocupar não apenas com as informações, mas com o padrão de pensamento ou a "engenharia cognitiva" dos indivíduos que estamos trabalhando, que queremos atingir e "transformar", de forma que estes estabeleçam uma relação sadia com as informações que estão acumulando. Mais do que isso, que haja "significação" destas informações, de modo que elas sejam fundidas nos sentidos que norteiam as motivações e ações destas pessoas. Este processo, acredito eu, provocaria uma mudança de comportamento uma vez que as pessoas utilizariam as informações por nós transmitidas para interpretarem o mundo que os rodeia. "Poeticamente" poderia dizer que o mundo já não seria o mesmo aos olhos destas pessoas, devido a mudança na percepção do mesmo.

Quando falo neste processo de incorporação das informações transmitidas nos sentidos pessoais, estou entendendo 'sentido' como uma Gestalt ou estrutura onde de forma "enovelada" estão emoções, sentimentos, lembranças de experiências vividas, expectativas, informações somáticas, dogmas, conceitos e preconceitos, e qualquer outro fator relevante para a constituição de uma entidade espiritual. Não é um debate sobre religião, inclusive penso que religião não tem nada a ver com este debate. É importante dizer que estou entendendo o espiritual como algo transcendente, e independente de dogmas e experiências religiosas. Desta forma, se você se emociona, logo você é uma entidade espiritualizada, uma vez que a emoção é um fator espiritual, assim como os sentimentos e outros que se relacionam com o que é entendido como estado de espírito (criticas são muito bem vindas (risos)).

Então, o que estou dizendo é que é necessário sensibilizar as pessoas no processo de formação política e articulação social. É necessário sensibilizar, e principalmente promovar uma atividade que faça sentido, ou que levem as pessoas a atribuirem sentido às informações transmitidas. Quando penso em alguns segmentos de movimentos sociais, como o Hip-Hop, a Capoeira, o Frevo, os grupos culturais, enfim, acredito que estas linguagens trabalham neste nível assimilação de conhecimento que julgo importante. São movimentos que tem como público individuos à margem da condição de cidadão, e que conseguem o engajamento destas pessoas com grande eficácia.

As pessoas se emocionam, e atribuem significado às atividades realizadas, por exemplo, no movimento Hip-Hop. Pessoas que nunca tiveram voz, e que foram sempre invisíveis, tornam-se visiveis e com voz ativa no movimento, com possibilidade se expressar através da dança, do graffiti, dos riscos nos discos, e do rap. E se expressando, coerente ou incoerentemente, é notório o desenvolvimento da dimensão espiritual, haja vista o componente emocional que está sendo manipulado nestas atividades. "A vida já não é mais a mesma, o mundo a sua volta é interpretado de outra forma". A relação interpessoal é um ítem fundamental neste processo. No Hip-Hop a humildade e a solidariedade dos mais experiêntes no trato aos mais novos no movimento é um grande aliado para o processo de significação das informações transmitidas, operando e alimentando o componente emocional destes individuos. É só pensarmos que para uma criança em situação de vulnerabilidade fisica, emocional e social, ser amparada e tratada com carinho e respeito pelo Mano Brown em um evento, ou outro grande ícone do movimento Hip-Hop, seria um divisor de águas na sua vida. As informações são importantes, mas a dinâmica na qual as relações ocorrem são igualmente importantes, talvez até mais importantes se pensarmos no engajamento ou mudança de comportamento.

Penso que seria importante uma reflexão neste sentido. Acredito que é necessário um 'fazer diferente' nas nossas ações enquanto militântes, para a promoção de uma mudança no padrão de pensamento das pessoas. Não acredito que apenas a garantia da transmissão de informações possa gerar algo significativo para a superação do racismo e do machismo, por exemplo. É algo além disso.. . O que faz um homem mudar suas atitudes no dia-a-dia de modo a reproduzir menos o machismo, talvez tenha mais relação com uma mudança de sentidos do que propriamente com um acumulo de o informações sobre o machismo e a luta anti-machista. Enfim... .